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TecnoMetal entrevista José Carlos Caldeira, Secretário-Geral do Fórum Manufuture Portugal

"É necessário alargar processos de transformação a um maior número de empresas e sectores"

TecnoMetal entrevista José Carlos Caldeira, Secretário-Geral do Fórum Manufuture Portugal

José Carlos Caldeira

Quais os principais objectivos subjacentes à actividade desenvolvida pelo Fórum Manufuture Portugal?

O Fórum é uma associação cívica, aberta à participação de todos os interessados, que visa promover a reflexão e o estudo dos principais problemas e desafios da Indústria Transformadora em Portugal e na Europa, no enquadramento do trabalho desenvolvido pela Plataforma Tecnológica MANUFUTURE.

As actividades desenvolvidas pelo Fórum têm como principal objectivo produzir contribuições sólidas e sustentadas para o processo de transformação industrial em curso, dinamizando e apoiando o desenvolvimento de políticas e acções de médio e longo prazo que consubstanciem a definição de uma visão, uma estratégia e um plano de acção para o desenvolvimento sustentado da indústria nacional e europeia, no seguimento dos desafios da Estratégia de Lisboa e da Cimeira de Barcelona.

Sendo reconhecido pela generalidade dos observadores que a falta de articulação entre a indústria e a universidade continua a ser uma significativa debilidade da sociedade portuguesa, o que sugere que poderá ser feito no imediato para se tentar inverter essa situação?

Antes de mais, é importante sublinhar a significativa evolução nas relações entre a indústria e a universidade (entendida neste caso como o conjunto do sistema científico nacional) que se verificou, sobretudo nos últimos 10 anos. Hoje, o número de projectos de I&D em consórcio, de contratos de transferência de tecnologia e de acções de consultoria e formação, desenvolvidos entre empresas e universidades, é muito superior. Para além disso, essas relações começam a transformar-se em parcerias de médio e longo prazo, o que comprova a sua sustentabilidade e a crescente maturidade das organizações de ambos os lados.

No entanto, há ainda um longo caminho a percorrer, quer no alargamento (mais empresas e mais instituições do sistema científico), quer no aprofundamento dessas relações (parcerias e projectos de médio e longo prazo). Nesse processo, as empresas mais importantes e dinâmicas e as instituições científicas mais competentes e capazes têm de assumir as suas responsabilidades e dar o exemplo, promovendo e desenvolvendo projectos e acções estruturantes, capazes de mobilizar um número crescente de actores e de induzir alterações e impactos significativos e duradouros no tecido industrial.

Evidentemente, as acções e os programas de apoio públicos podem e devem incentivar estes projectos, mas eles só serão verdadeiramente eficientes e eficazes se indústria e universidade perceberem que não são dois mundos separados e independentes. Pelo contrário, são cada vez mais partes de um sistema económico e social único, e o futuro de ambos depende da capacidade de, em colaboração, desenvolverem e explorarem novos conhecimentos, criando riqueza para o conjunto.

Que tipo de iniciativas tem promovido o Fórum Manufuture Portugal no sentido de contribuir nesse sentido de aproximação entre a indústria e a universidade?

Conforme já referi anteriormente, a melhor forma de sensibilizar as empresas e as entidades do sistema científico e tecnológico para as vantagens da cooperação e de as mobilizar para o desenvolvimento de projectos conjuntos, é através de exemplos concretos que demonstrem essas vantagens, de preferência em contextos próximos aos dos destinatários.

Nesse sentido, para além das actividades associadas ao desenvolvimento de análises, estratégias e de planos de acção, o Fórum tem dinamizado a realização de workshops temáticos, que incluem a apresentação e discussão de casos práticos, nacionais e internacionais, na maior parte das vezes com a presença dos protagonistas. Importa referir nesta vertente que, no âmbito da Conferência MANUFUTURE 2007, organizada pelo Fórum, no Porto, em Dezembro desse ano, foram realizados 8 workshops temáticos, em empresas nacionais de referência, onde foram apresentados 16 casos de estudo (8 nacionais e 8 internacionais).

Mais recentemente, e na linha do que foi dito anteriormente sobre a importância do desenvolvimento de projectos estruturantes, o Fórum dinamizou uma iniciativa na área das tecnologias de produção, da qual resultou o PRODUTECH – Pólo das Tecnologias de Produção.

Sendo o Fórum Manufuture Portugal, a par da AIMMAP e de várias outras entidades e empresas, um dos dinamizadores da criação do PRODUTECH, perguntamos-lhe quais são as linhas essenciais desse projecto?

A indústria transformadora europeia (e, portanto, a nacional) está a passar por uma fase de profunda transformação, procurando responder aos desafios resultantes da crescente globalização e também das cada vez maiores exigências nos domínios da eficiência energética e do impacto ambiental dos seus produtos e processos. Estas transformações vão exigir o desenvolvimento de novas tecnologias de produção, nomeadamente máquinas e equipamentos, sistemas de informação, serviços avançados de engenharia, etc. Quer os desafios, quer muitas das tecnologias a desenvolver são horizontais, ou seja, não são específicas de um sector. Da conjugação destes factores, resulta a existência de uma oportunidade para o desenvolvimento de novas tecnologias de produção, destinadas ao mercado global.

Por outro lado, a manutenção em Portugal de um número significativo de empresas e sectores da indústria transformadora e a existência de entidades do sistema científico e tecnológico com competências reconhecidas a nível nacional e europeu e com experiência de relacionamento com a indústria, potenciam as condições para o desenvolvimento dessas novas tecnologias.

O PRODUTECH tem como objectivo aproveitar esta oportunidade para promover o desenvolvimento de tecnologias de produção em Portugal, contribuindo para o desenvolvimento e internacionalização desta fileira e também para o processo de transformação da indústria nacional e europeia. Para isso, está previsto o desenvolvimento de um conjunto integrado de acções e projectos nas vertentes da cooperação, da internacionalização e da inovação.

Quais são, em seu entendimento, as principais marcas distintivas desse projecto, em comparação com outros pólos e clusters que estão também actualmente a ser lançados?

É difícil destacar marcas distintivas relativamente a todos os outros pólos e clusters, até por que eles são muitos e variados. Talvez seja mais fácil elencar as principais características do PRODUTECH, tornando mais fácil e evidente a comparação com cada uma das outras iniciativas:

  • É uma iniciativa transversal, que visa desenvolver tecnologias de produção para um leque alargado de sectores da indústria transformadora. Por isso reúne empresas e entidades sectoriais representativas da fileira das tecnologias de produção e dos principais sectores industriais portugueses.
  • É claramente liderado pela indústria. Mais de 60% dos seus associados são empresas industriais ou de serviços.
  • Todas as acções previstas envolvem consórcios alargados, o seu desenvolvimento vai ser colaborativo e os respectivos resultados partilhados por um número significativo de entidades. Isto traduz o elevado nível de eficiência colectiva resultante desta iniciativa.
  • Este pólo e as respectivas actividades estão fortemente articulados com iniciativas e com parceiros internacionais, nomeadamente europeus, o que lhes confere credibilidade e sustentabilidade acrescidas, para além de potenciar a vertente de internacionalização das empresas e dos seus produtos e serviços.
  • Finalmente, é uma iniciativa que reúne todas as entidades sectoriais relevantes da fileira das tecnologias de produção, nomeadamente todas as associações sectoriais, e também todos os Centros Tecnológicos sectoriais existentes em Portugal.   

Mudando um pouco de assunto, no que se refere especificamente à indústria transformadora portuguesa, acha que a mesma tem condições para competir numa economia mundial cada vez mais globalizada?

Para além de introduzir alguns riscos, a globalização também gera enormes oportunidades para uma indústria como a nossa. Sendo Portugal um país pequeno, basta “um nicho de um nicho” do mercado global para viabilizar um sector ou um conjunto de sectores industriais.

Evidentemente, é necessário identificar esses nichos onde as empresas e os sectores nacionais podem construir vantagens competitivas sustentáveis e desenvolver estratégias e acções de curto, médio e longo prazo que permitam explorar essas oportunidades. A incorporação de tecnologia nos produtos e processos é uma das formas mais sólidas de atingir esse objectivo, mas não é a única.

Existem já muitas empresas, muitas delas PME’s, em vários sectores, que conseguiram fazer essa evolução. É necessário agora alargar esses processos de transformação a um maior número de empresas e sectores. Esse é um dos desafios que se colocam à indústria nacional, ao qual o PRODUTECH pretende dar resposta.

Enquanto observador próximo, que tipo de futuro prevê que os sectores tradicionais da indústria portuguesa poderão vir a ter? E quanto ao sector metalúrgico e metalomecânico em particular?

Há muitos anos que ouço anunciar a “morte” de sectores ditos tradicionais como o têxtil, o calçado, alguns sub-sectores da metalomecânica, etc., e a sua inevitável substituição por sectores de ponta e por uma economia de serviços. Ao fim destes anos todos, esses sectores “moribundos” continuam a ser responsáveis por uma parte muito significativa da nossa economia e sobretudo das nossas exportações, mantendo e, em alguns casos, aumentando o seu peso relativo. Por outro lado, são esses sectores que continuam a suportar uma parte muito importante da actividade dos serviços, havendo estudos europeus que demonstram que cada emprego na indústria transformadora gera dois empregos directos na área dos serviços.

Quanto ao futuro, eu acredito que ele depende sobretudo daquilo que nós formos capazes de fazer e não de anúncios ou previsões de “especialistas” e muito menos de fatalismos. Só há uma forma garantida de acabar com empresas e sectores: é não fazer nada.

A ideia, muitas vezes transmitida, de que os sectores ditos tradicionais são avessos ao I&D e à inovação é completamente errada. Pelo contrário, o investimento em I&D e inovação é a única forma que esses sectores e as respectivas empresas têm para construir vantagens competitivas. Felizmente, muitas dessas empresas estão já percorrer esse caminho, que não está livre de dificuldades e de algumas barreiras. No entanto, os diversos casos de sucesso provam as vantagens e a viabilidade desta opção.

O sector metalúrgico e metalomecânico é um terreno especialmente adequado ao desenvolvimento e à incorporação de tecnologia, quer nos produtos, quer nos processos produtivos. Não é difícil aceitar que é mais fácil criar diferenciação pela incorporação de tecnologias avançadas em sub-sectores como os fabricantes de máquinas-ferramenta, a metalomecânica de precisão, os fornecedores de subsistemas e componentes para o sector automóvel ou ainda os produtores de moldes e ferramentas especiais, e ver essa diferenciação reconhecida e valorizada pelos clientes, do que em sectores como o calçado ou o mobiliário.

Para concluir, gostaríamos de lhe pedir que identifique alguns bons exemplos de inovação na indústria portuguesa em geral e no âmbito do sector metalúrgico e metalomecânico em particular.

Conforme já referi, existem, felizmente, muitos e bons exemplos de inovação no conjunto da indústria transformadora nacional e no sector da metalomecânica em particular. É por isso tão difícil fazer uma lista completa como é escolher alguns exemplos. Mas não vou fugir à questão e, como estamos no contexto do sector metalomecânico e como gosto de falar do que conheço, vou escolher duas empresas deste sector, cuja evolução tenho acompanhado de perto nos últimos dez anos: a CEI e a FREZITE.

Para além das razões já apresentadas, esta escolha prende-se com o facto de serem ambas PME’s, de terem desenvolvido estratégias de diferenciação e de posicionamento em nichos de alto valor acrescentado, de serem hoje empresas de referência que actuam no mercado global, de investirem em I&D e inovação de forma consistente e organizada (quer no desenvolvimento de novos produtos e serviços, quer nos seus processos internos) em estreita colaboração com entidades científicas e tecnológicas nacionais e internacionais, de terem estabelecido parcerias estratégicas com clientes e fornecedores e, finalmente, de terem tido sempre uma enorme disponibilidade para partilhar com outras empresas os seus conhecimentos e a sua experiência.

Importa referir mais uma vez que estes são apenas dois exemplos entre muitos outros que poderiam (e também mereciam) ser citados.

TecnoMetal, edição de Novembro / Dezembro 2008

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